segunda-feira, 14 de maio de 2007

Por que não sou mais socialista

Este artigo é um desabafo. Faço esse alerta para aqueles que, como eu, não são assim muito fãs de textos em primeira pessoa. Sempre procuro escrever baseado no princípio de que existem assuntos muito mais relevantes do que minha própria vida, que, aliás, não diz respeito a mais ninguém. No entanto, como volta e meia sou cobrado por amigos sobre os meus posicionamentos atuais, algumas vezes até com alguma agressividade, resolvi tentar escrever, de forma ordenada, o que me levou a uma mudança tão brusca de pensamento nos últimos anos. Partidos, quando mudam de posição ao longo da história, revisam seus dogmas, elaboram documentos, para dar alguma densidade à sua mudança. Talvez eu esteja devendo a mim mesmo um manifesto mais elaborado sobre minhas convicções.
Durante toda a minha vida, fui socialista. Aprendi a desejar um mundo igualitário vendo a caminhada ética construída por meu pai, um vereador do velho MDB numa cidade com uma elite violentamente adesista, e isso em pleno regime de exceção. Aprendi com ele a amar o nacionalismo, a acreditar no potencial do Brasil para desenvolver suas próprias riquezas. Mas acima de tudo, aprendi a acreditar que a esquerda poderia ser a redenção saneadora e ética do país, varrendo a corrupção que tanto caracterizou o regime militar. Ah, é bom detalhar: meu pai era brizolista ferrenho, tinha pertencido à ala moça do extinto PTB antes de fazer carreira no MDB, e quando Brizola voltou do exílio, fez parte da fundação do PDT.
O socialismo, portanto, sempre foi em minha vida, um caminho natural. Ainda hoje, boa parte dos meus parentes é filiado a partidos como PT, P-Sol e outros do gênero. Meu pai encarava o PT e seu anarco-sindicalismo pelas lentes de Darcy Ribeiro, que dizia: “o PT é a esquerda que a direita gosta”. Brizola era ainda mais ferrenho ao dizer que o PT era “a UDN de macacão”. Embora profundamente distantes do ponto de vista doutrinário, UDN e PT se complementavam no quesito ético, na capacidade de destruir reputações adversárias.
Mas essa já é uma digressão. Volto ao ponto. Certo de que a esquerda era a única força política capaz de promover um saneamento ético no país, sempre apostei nela nas minhas escolhas. Acreditei, por muitos anos, no discurso autoritário que colocava “eles” (a direita) como os vendidos, os corruptos, os destruidores da soberania nacional, e “nós” (a esquerda) como os puros, os santos, os incorruptíveis. Esta característica autoritária está nos genes da esquerda desde Robespierre (aquele que mandava decapitar desafetos após a Revolução Francesa) e Marx (que conseguiu sobrepujar todas as outras vertentes de socialismo anteriores a ele, com uma propaganda altamente depreciativa, afirmando que apenas o seu pensamento era “científico”, e portanto, racional).
Acreditei que Lula, no primeiro mandato, teria as condições necessárias para promover um saneamento ético. No entanto, já na formação de sua aliança, fez par com o PL, depois de anos atacando FHC por ter se aliado aos “neoliberais” do PFL. Durante quase todo um mandato, as alianças espúrias com segmentos do coronelismo mais retrógrado foram sendo justificadas ou relativizadas, uma a uma, pelos “companheiros”. Era um tal de elogiar Sarney, Jader Barbalho, e outras figuras inacreditáveis.
Acordei finalmente para a grande mentira que a esquerda pregou no Brasil durante anos graças ao personagem Roberto Jefferson, a quem Olívio Dutra chamou de “má companhia”. Pois é, mas no segundo turno, a despeito de tudo o que foi dito, o candidato Lula fez questão de, mais uma vez, caminhar ao lado do PTB de Jéferson, um claro sinal de que o presidente fez muito bem suas escolhas.
Esta crise revelou o despudor de uma esquerda que, não contente em montar o maior esquema de corrupção da história da República (segundo as palavras do hoje ministro Roberto Mangabeira Unger). José Dirceu, Delúbio Soares, Marcus Valério...passados quase dois anos, hoje a esquerda, o PT, o presidente, a oposição, a imprensa, todo o país, enfim, se comportam como se nada de sério tivesse acontecido. O PT, tão ético e sério que é, até mesmo está correndo uma listinha em favor da anistia de José Dirceu. Notem bem: o termo “anistia” não é uma escolha acidental. Trata-se de equipará-lo aos perseguidos do regime militar, como se pudesse haver comparação entre resistir a um regime antidemocrático e montar uma quadrilha para saquear a nação.
É esta desfaçatez que não me convence mais. O partido da indignada Heloísa Helena, tendo a opção por desmoralizar completamente este esquema no segundo turno, declarou apoio a Lula. O PDT de Cristóvam Buarque, que até tentou se apresentar como alternativa de esquerda ética, agora integra o governo que combateu. O que Brizola diria...
As utopias passadistas corroeram a moral e o ânimo da maioria da nação, que ao invés de lutar por uma limpeza ética, resolveu apostar na continuidade do Bolsa-Esmola, nada mais do que um suborno de suas próprias consciências. Enquanto isso, as instituições democráticas são lentamente corroídas, o projeto autoritário avança, e a liberdade, esta senhora que nos torna desiguais, vai sendo solertemente esvaída...Mudei? Provavelmente. Mas mudei para continuar o mesmo, acreditando na prevalência da lei e de um regime democrático sólido, substantivo, para promover justiça e eqüidade no país. Bem, e se alguém me chamar de “direita”, imaginando me ofender? Bem, fico com a frase de Fernando Gabeira, alguém cujo pensamento antieclesial não me entusiasma nem um pouco, mas que certamente merece meu respeito ético: “Já que aprendemos finalmente que a esquerda não é o bem absoluto, devemos então reconhecer que a direita não é o mal absoluto”.

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