segunda-feira, 30 de julho de 2007

Madrugada


Tela Starry Night, de Van Gogh, 1889

Sempre tenho usado este espaço para reflexões um pouco intimistas. Noutro dia, entretanto, surgiu a inspiração para um conto. Antes de publicá-lo, achei que devia submeter à apreciação de um escritor que admiro muito: Lucas Loch Moreira, do blog "Bola Esquerda". Depois de receber o OK dele, achei que podia seguir adiante. Eis aí:

- Tudo bem, doutor Herculano?
A figura franzina quase se esgueira inteiramente pela porta do grande escritório. Sob os óculos de fundo de garrafa, a visão obliterada por cerca de quatro graus de astigmatismo consegue ver a pançuda e proeminente figura atrás de uma mesa de madeira nobre, em um escritório acarpetado. Sobre a mesa uma balança estilizada e a imagem de Themis, a deusa da Justiça.
- Sim, doutor Eufrásio... em que posso servi-lo? - É preciso dizer que a fisionomia do doutor Herculano, juiz de direito da comarca, não era das mais pacientes. Doutor Eufrásio era um dos melhores advogados daquela pacata cidade, mas às vezes era um tanto aparvalhado.
- Desculpe a intromissão, mas eu precisei vir aqui perguntar...vai ser hoje?
O juiz imediatamente franziu a testa, em evidente sinal de reprovação. Como quem pensa estar sendo espionado, fecha a porta e responde, num tom de indignação, quase susurrado:
- O senhor não deve fazer perguntas a respeito disso! Não lembra o que todos combinamos?
- Sim, doutor Herculano, desculpe...é que eu mal posso esperar...
- Controle-se! Será nessa madrugada. Mas quando for a hora, todos saberão!
- Sim, doutor...desculpe.
- E esta conversa não existiu!
O esmirrado doutor Eufrásio sai da sala do juiz Herculano, um pouco envergonhado pela repreensão. Precisa aprender a controlar seus impulsos. No entanto, sente-se exultante e reconfortado por saber que seria hoje, ainda de madrugada. Desde a primeira vez, sente uma sofreguidão que se prolonga durante toda a semana, até o novo reencontro. Uma adrenalina indescritível perpassa todos os seus poros. Eufrásio, homem probo, decente, uma reserva moral do Direito naquela cidade, mal conseguiria dormir.

De madrugada, Eufrásio se levanta. A fiel esposa dorme o sono dos justos. No outro quarto, as crianças estão dormindo placidamente. Eufrásio veste a túnica preta e desce até a porta. Todos já estão esperando, nos fundos da Matriz da cidade. Apesar das túnicas e das máscaras, era possível reconhecer a barriga do doutor Herculano, a barba proeminente do padre Olavo, os óculos do vereador Demócrito... fazendeiros, advogados, a nata da pequena cidade.
- E aí, quem vai ser hoje?
- Vai ser o capataz do gerente Vetusto, do banco da província. Daqui a pouco ele desce pela rua...
De fato, não demorou muito para que surgisse na curva do beco um negro baixote, esturricado, completamente bêbado. Cantarolava uma música estranha, um pagode qualquer, quando viu seu caminho cercado por dezenas de homens vestindo togas negras, carregando tochas. A princípio, pensou ser uma alucinação da bebida. Tentou dar meia volta, mas atrás de si havia mais deles. Estava cercado. Não havia como correr, e mesmo que houvesse, estava tão bêbado que não conseguiria.
A primeira paulada foi dada pelo assessor da prefeitura, engenheiro Clóvis. Em seguida todos, um a um, desferiram pauladas, coronhadas, facadas, matando aos poucos o negrinho. O sangue e os gritos deixavam os nobres da sociedade ainda mais eufóricos e descontrolados.
Quase cinco horas da manhã quando o doutor Eufrásio volta para casa. Deita ao lado da esposa, que pontualmente às sete horas o acorda com um beijo. Após o banho, assenta-se à mesa do café enquanto a esposa, assustada, ouve no rádio sobre mais um cruel assassinato no beco atrás da Matriz.
- Eufrásio, você ouviu? Mataram o criado da casa da Candinha, mulher do gerente do banco...diz que foi tanta paulada que quase não deu pra reconhecer... que coisa terrível!
- É verdade, querida...nossa cidade está deixando de ser pacata...pode me passar o açúcar, por favor?

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Bloom, Shakespeare e o Brasil: sobre inação e esperança


Hamlet e Horácio no cemitério, 1839 - Eugène Delacroix (França/1798-1863)


Há tempos venho refletindo sobre as razões de uma evidente prostração cívica que vem se abatendo sobre o povo brasileiro no atual governo. É nítido o estado de consternação profunda da maioria da população diante da sucessão incontrolável de escândalos de corrupção, incompetência, despreparo administrativo e político dos atuais mandatários da República (?). no entanto, as mesmas desgraças que, em outros povos, teriam estimulado as pessoas a ir às ruas, aqui está produzindo um efeito violento de apatia, quase como o estado de ânimo do indivíduo melancólico, que se tranca no quarto de sua tristeza para não ver a luz do dia. Um país em depressão profunda. Como chegamos a isto?
Os efeitos dos escândalos que quase retiraram o segundo mandato do presidente Lula, ainda ecoam como um torpor sobre a consciência da Nação. A absoluta falta de apuração dos fatos por um congresso que se auto-enxovalhou, levando o eleitor a “não trocar o certo pelo duvidoso (como, aliás, propunha um dos jingles da vitoriosa campanha de Lula) parece ter conduzido o cidadão comum a um estado de letargia. Sucedem-se, um a um, os bois do senador Renan Calheiros, as bravatas de Roriz, a posse de um suplente já intrincado em maus negócios, as relações promíscuas de senadores com empreiteiros, uma comissão de ética disposta a absolver sem checar, e nada disso parece capaz de provocar alguma reação, ainda que mínima. E isso quando é evidente que o cidadão comum abomina tudo isto que está acontecendo.
Uma reflexão de um dos mais notáveis e explosivos críticos literários de todos os tempos nos parece conduzir a uma resposta, ou pelo menos, a um caminho em direção a ela, ainda que de forma totalmente involuntária e acidental. O genial escritor Harold Bloom, professor da Universidade de Yale, ao analisar a obra do imortal bardo inglês Willian Shakespeare, vê em sua peça Hamlet o arquétipo definitivo de todo o drama da existência. A peça que narra a trajetória de um príncipe instigado pelo fantasma do pai a vingar sua morte traz um personagem central tão rico e tão profundo que a famosa cena da caveira (“pobre Yorick, eu o conhecia bem...”) virou clichê no teatro e na psicanálise. É Bloom quem procura desvendar por que o personagem é tão arredio a agir, e se revolta cada vez que é interpelado pelo fantasma de seu pai a matar o próprio tio: “Hamlet acha humilhante ser chamado a corrigir um mundo que está fora dos eixos inevitavelmente. Saber é inação. A ilusão é que nos leva à ação. A hesitação é sinônimo de consciência, e Hamlet é o personagem mais auto-consciente de toda a história da literatura”.
Esta incrível assertiva, além de nos traduzir a natureza de toda a melancolia da civilização ocidental, nos traz de volta ao Brasil de nossos dias. Os jovens que foram às ruas na época do “Fora Collor”, o fizeram ainda imantados pela ilusão de moralizar o país, e acreditavam que para isso, bastava apenas colocar as pessoas certas no lugar certo, dando o poder aos éticos, aos puros. No entanto, desde que o escândalo do mensalão revelou a verdadeira natureza de algumas vestais de pureza dos anos anteriores, o povo brasileiro parece sem reação. A ilusão foi-se embora, e no seu lugar ficou uma realidade que o cidadão comum simplesmente não pode suportar.
Se “saber é inação”, como propõe Harold Bloom, o povo não sente-se mais compelido a reagir por saber que não há mais o bem absoluto. Este abandono da esperança é um traço profundamente sombrio dos nossos dias...falta ao brasileiro entender que a esperança pode, sim, ser uma forma de saber, e não apenas uma vaga incerteza.
Aliás, este é o falso embate que por anos tem dividido religiosos e cientistas: a fé x a razão. Esta dicotomia é enganosa porque sempre supõe que a razão é o terreno do conhecimento, e a fé, o terreno da ilusão. Na verdade, a única convergência entre o aristotélico Agostinho de Hipona e o platônico Tomás de Aquino é o reconhecimento da fé como uma forma de conhecimento, tanto quanto a razão. Fé e razão não são necessariamente forças contrárias, mas sim formas diferentes de conhecimento. Pela razão se chega ao conhecimento das verdades da natureza, e pela Fé se chega ao conhecimento das verdades do espírito. É Paulo de Tarso quem afirma: “a fé é o firme fundamento das coisas que não se vêem”.
Saber não precisa, necessariamente, ser inação. Nem tudo aquilo que está palpável aos olhos encerra toda a existência. Saber que as ilusões são enganosas, pode finalmente nos libertar em direção a uma realidade informada, onde cada um é responsável pelos seus atos, e onde é possível, sim, ter esperança. Não em uma espécie de “novo homem”, mas em consciências livres, capazes de tocar o solo da realidade e, ainda assim, caminhar altivas.
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”(João 8.32)...

quinta-feira, 12 de julho de 2007

A nova polêmica de Ratzinger e uma carta a Reinaldo Azevedo


Ratzinger, o famigerado Prefeito do Santo Ofício, não cansa de enviar sinais ao mundo sobre qual é seu modelo predileto de Igreja: a Igreja da Contra-Reforma, que reagia com fúria às dissidências do protestantismo. Tanto melhor, pelo menos acaba com as falsas ilusões semeadas pelo ecumenismo de seu predecessor, Karol Wojtyla, um papa com muito mais talento político que o atual, mas que bebia da fonte teológica do vasto conhecimento de seu então fiel escudeiro, o próprio Ratzinger.
Acaba de sair uma bula em que Sua Santidade Mefistofélica declara solenemente que a Igreja Católica é a "Única e Verdadeira Igreja de Cristo". Pelo menos, está sendo coerente com os séculos de intolerância sangrenta que perfazem a história do Romanismo.

O jornalista Reinaldo Azevedo, um dos mais brilhantes analistas contemporâneos do país, escreveu, em defesa do papa, um comentário em seu blog, o qual reproduzimos em vermelho:

"Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João: porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus.Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.E eu te darei as chaves do reino dos céus. E tudo o que ligares, pois, na terra será ligado também nos céus, e o que desatares sobre a terra será desatado nos céus.(Mateus 16, 17-20)
*E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.Ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e estais certos de que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.(Mateus 28, 18-20)*
“Tenho também outras ovelhas que não deste aprisco, e importa que eu as traga, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um aprisco e um pastor”(João 10, 16)
Não estou transcrevendo isso para convencer os não-católicos. Os próprios católicos, creio, devem se convencer disso a cada dia, enfrentando os múltiplos apelos da descrença sedutora. A questão é outra: ou a hierarquia católica, de que o papa é o líder máximo, acredita nisso — e, pois, suas cinco resposta disseram o óbvio — ou não acredita. A Igreja, deve crer um católico, é aquela fundada por Cristo e entregue a Pedro. A missa e os sacramentos foram instituídos por Ele como caminhos da santificação. Cristo estará com os membros de sua Igreja, seu corpo místico, até o fim dos tempos. Ela é:- única e una (aquela de Pedro);- santa (já que extensão do Cristo);- católica (vale dizer: universal) porque feita para todos os homens;- apostólica: fundada nas verdades reveladas aos apóstolos e seus sucessores.Você é obrigado a acreditar nisso? Felizmente, não. Mas um católico é. A Igreja revelada pelo Cristo, para quem professa essa fé, é aquela que deriva de Pedro. Leonardo Boff, no livro Igreja, Carisma e Poder, sugere que outras denominações possam guardar essa verdade revelada. Tudo bem — desde que ele abra mão de ser um teólogo católico. Não me consta que se considere uma violência que o protestantismo rejeite o culto a Maria. Ninguém é forçado a pertencer ao corpo da Igreja Católica. Feita tal escolha, não pode ambicionar destruir os princípios que a organizam, incluindo a hierarquia, que, nessa perspectiva, não é uma imposição extemporânea, mas o desdobramento de uma revelação.De novo, trata-se de uma questão de lógica. E daquele tipo escandalosamente elementar.

Enviei a seu blog uma resposta, que reproduzo em azul:

Prezado Reinaldo Azevedo:
Tenho lido com atenção vossas observações sobre o manifesto em que a Igreja Católica reafirma sua convicção de ser a única e verdadeira Igreja de Cristo. Natural, de fato, que a Igreja Católica tenha este pensamento. Daí a pensar que esta afirmação (nada mais do que uma construção teológica), tenha embasamento bíblico ou histórico, é um pouco de exagero. Não lhe culpo, pois essa licença poética com a História vem sendo ensinada pelo romanismo há séculos, contra a verdade histórica e o raciocínio bíblico.Em seu favor, a Igreja sempre evoca a afirmação de Cristo no Evangelho de Mateus:"Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja".Sei que o senhor não desconhece o fato de que o Novo Testamento foi escrito originalmente em grego demótico, língua adotada pelos judeus na dispersão. No original, há duas palavras: Petrus (Pedro) e Petra (pedra). O significado semântico de "Petrus" seria algom como "pedregulho", ou "pedrinha". "Petra", no entanto, significa "a rocha". Logicamente, o texto nos apresenta que se está falando de duas coisas distintas. Pedro é uma pequena pedra, e existe a grande Pedra, a verdadeira rocha sobre a qual está alicerçada a igreja cristã em toda a face da terra: Jesus Cristo. Aliás, é o próprio Pedro quem nos fala, clarificando o sentido verdadeiro desta polêmica:"E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, Vòs também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdòcio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se contém:'Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa;e quem nela crer não será confundido'. E assim para vòs, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes,a pedra que os edificadores reprovaram,essa foi a principal da esquina, E uma pedra de tropeço e rocha de escândalo,para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados.
O conceito de "Igreja" usado pelo catolicismo para excluir os demais ramos do cristianismo de sua visão, é o da Igreja como instituição. No entanto, o conceito bíblico de "eclesia" não é humano, e sim espiritual. O "Corpo de Cristo" é formado pelos crentes fiéis em toda a Terra, que tem comunhão com o cristianismo nascido em Jerusalém, não em Roma.A sucessão apostólica em Pedro é também uma falácia histórica. O papado sequer existia antes da "conversão" do Imperador Constantino, em 313 d.C. A palavra "papa" designava qualquer bispo, que é pastor e "pai" de seu respectivo rebanho. Seu sentido histórico foi fundamentado muito mais tarde, na rica construção teológica que o tornou sucessor de Pedro, o Apóstolo.Há uma passagem nos Evangelhos de Marcos e Lucas que, se fosse relida pelo brilhante teólogo Ratzinger, talvez lhe trouxesse um melhor entendimento da questão da tolerância dos demais ramos do cristianismo. Esta lá, em Marcos 9.38-40:
"E João lhe respondeu, dizendo: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não nos segue. Jesus, porém, disse: Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós."span style="color:#3366ff;">

Abraços fraternos,

CLÁUDIO MOREIRASão Gabriel - RS

P.S: A sua citação de João 10:16 está fora de contexto hermenêutico. Quando fala em "outro aprisco", Jesus não poderia estar falando de outras denominações, que não existiam. Seu "aprisco original" é o povo judeu, as ovelhas do "outro aprisco" somos nós, os gentios.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Bebendo das águas de Deus...


“Os aflitos e necessitados buscam águas, e não há, e a sua língua se seca de sede; eu o Senhor os ouvirei, eu, o Deus de Israel não os desampararei.Abrirei rios em lugares altos, e fontes no meio dos vales; tornarei o deserto em lagos de águas, e a terra seca em mananciais de água.Plantarei no deserto o cedro, a acácia, e a murta, e a oliveira; porei no ermo juntamente a faia, o pinheiro e o álamo. Para que todos vejam, e saibam, e considerem, e juntamente entendam que a mão do Senhor fez isto, e o Santo de Israel o criou.” (Isaías, 41;17-20)

A mensagem profética trazida por Isaías ao povo de Israel, 700 anos antes do nascimento de Jesus Cristo, nos fala de um tempo de amargura e sequidão para um povo que vivia sob o escárnio da fome, da seca e do abandono. A chuva que não vinha, a plantação que não vingava, a vergonha que não cessava, tornaram-se parte inseparável da vida de um povo quebrantado. O resultado estava expresso na linguagem do profeta: “os aflitos e necessitados buscam águas, e não as há, e sua língua se seca de sede”. Quem já teve a experiência de ficar vários dias sem água sabe o que é sede profunda, como a língua fica grossa, pegajosa.
Embora se esteja falando de uma situação real, o sofrimento do povo a quem Isaías falava hoje nos parece uma perfeita alegoria dos nossos dias. Milhares de pessoas correm de um lado para outro em busca de águas que refresquem o deserto de suas vidas vazias e sem sentido, mas não a encontram. Muitos estão tentando saciar sua sede espiritual com água suja, e achando-se privilegiados por beber água podre em meio ao deserto.
Vivemos nos dias descritos pelo anjo Gabriel ao profeta Daniel, os dias do tempo do Fim: “Muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará” (Dn 12;4). De fato, hoje se corre das mais variadas formas. As pessoas correm de carro, de avião, com o celular ao pé do ouvido, através da internet, correm de casa para o trabalho, do trabalho para a casa, e por mais que tentem racionalizar o tempo, nunca possuem tempo. E numa vida vazia de sentido, as pessoas compram sensações. Não se compra mais um bem material, e sim o sentimento de prazer associado a ele. O consumismo desenfreado é mais uma das “cisternas rotas” onde alguns tentam saciar sua sede.
Mas a promessa contida na profecia de Isaías nos fala de um Deus que quer nos dar de beber algo precioso: a água viva (João 7:8). A verdadeira fonte de água limpa, cristalina e pura para nossa sede espiritual, é o próprio Cristo, o Verbo que se fez carne, a Palavra viva de Deus! Apenas a Palavra Sagrada pode nos trazer saciedade plena.
No antigo Tabernáculo de Moisés, havia uma enorme fonte de águas, onde os sacerdotes lavavam as mãos e os pés. Esta enorme fonte, onde qualquer um podia ver sua imagem refletida, representa a Palavra de Deus, onde podemos contemplar a nossa vida como em um espelho. A água que nos purifica, que nos sara.
“Abrirei rios em lugares altos e fontes no meio dos vales”, diz o Senhor. Haverá momentos em que para alcançar as bênçãos de Deus, a vitória que mata nossa sede, precisaremos escalar montanhas, vencer obstáculos, superar problemas. Mas devemos fazer isso confiantes, pois no topo da montanha encontraremos a água mais pura, mais limpa. E para aqueles que estão no vale, que enfrentam a depressão, e que atravessam o “vale escuro da sombra da morte” (Salmo 23;4), Deus garante: não há o que temer. No fundo deste vale, desta depressão tão profunda, haverá o fim de toda a sede!
A vida que gera frutos é a que está sempre regada por água limpa, como nos sugere o Salmo primeiro: “Será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem, e tudo quanto fizer prosperará”;
Este é o meu desejo a teu respeito.
Que Deus te abençoe abundantemente.

Um comentário em Zero Hora...

No dia 2 de junho, a jornalista Cláudia Laitano publicou em sua coluna de Zero Hora, o artigo "Autoridades Polonesas". Para quem não está situado no assunto, reproduzo o que ela escreveu, em vermelho (óbvio), colocando em negrito os trechos mais gritantemente esquerdopatas :

Uma insólita polêmica ressurgiu esta semana - requentada e com quase 10 anos de atraso - a pedido de "autoridades polonesas". Vale a pena lembrar o histórico de uma das mais bizarras controvérsias envolvendo bichinhos de pelúcia de que se tem notícia. Em 1999, Tinky Winky, um dos quatro Teletubbies - série de televisão idealizada para crianças que ainda não tiraram as fraldas - foi considerado uma potencial ameaça à família e aos bons costumes pelo pastor de uma obscura igreja do grotão profundo dos Estados Unidos. Os sinais de que Tinky Winky era um ícone gay maldisfarçado eram evidentes, denunciava o pastor em um texto intitulado Alerta aos Pais: "Ele é roxo, cor do orgulho gay, e sua antena tem a forma de um triângulo, outro símbolo de orgulho gay". O reverendo Jerry Falwell esqueceu de mencionar que Tinky Winky tem o hábito de carregar uma bolsa vermelha, gosta de comer "creminho gostoso" e rola na grama com os amigos quando está feliz. Suspeito, muito suspeito. Indiferentes ao fato de que as declarações do pastor foram consideradas ridículas na época, as ubíquas "autoridades polonesas" pediram esta semana que psicólogos avaliassem se um programa de TV pode estimular comportamentos associados à homossexualidade. A idéia é proibir a exibição dos Teletubbies na televisão pública polonesa se for provado que Tinky Winky é, sim, do babado. O governo polonês, não por acaso, já foi alvo de críticas da União Européia devido à sua posição ultraconservadora com relação aos direitos dos homossexuais. Há dois meses, o Ministério da Educação da Polônia anunciou planos para demitir professores que promovam a "cultura homossexual" em sala de aula. Professores devem andar pensando duas vezes antes de indicar autores como Virginia Woolf, Oscar Wilde e Truman Capote. Ninguém, em sã consciência, quer acordar de manhã e descobrir que está sendo perseguido por "autoridades polonesas". Enquanto isso, não muitos quilômetros a oeste, o governo britânico está implantando em 15 escolas primárias, em caráter ainda experimental, um ousado programa de combate à homofobia. A idéia é oferecer para alunos, de quatro a 11 anos, contos de fadas que mostram personagens gays - como um príncipe que diz não a todas as pretendentes e depois se apaixona por outro príncipe ("King & King") ou um casal de pingüins machos que cria um filhotinho abandonado ("And Tango Makes Three"). A iniciativa faz parte do projeto No Outsiders (sem excluídos) e inclui várias ações junto a funcionários e colaboradores de repartições públicas do Reino Unido com o objetivo de coibir práticas discriminatórias de todos os tipos - seja de gênero, etnia, religião ou classe social. Parece moderninho demais? Politicamente correto demais? Pode ser, mas a história dos costumes se faz assim mesmo, com microrrevoluções que se espalham em ondas, e de forma desigual, por todo o planeta. Em um extremo, "as autoridades polonesas". Do outro, uma sociedade testando seus limites de tolerância e ousadia. Não sei vocês, mas nesta briga sou inglesa desde pequeninha.

Pois é, né? Se há uma coisa que me mobiliza a reagir, é essa falsa candura da patrulha do "polliticaly correct". Em resposta, mandei uma carta que, noblesse oblige, foi publicada na sessão "Sobre ZH" em 22 de junho. Segue o texto, em azul. As frases em itálico foram suprimidas da publicação em ZH, por "motivos de espaço". Tudo bem, mas o leitor deste blog facilmente notará que foram justamente as observações mais contundentes da carta as que foram selecionadas para a degola. "No stress"...

Fiquei profundamente surpreso que uma jornalista tão bem informada como Cláudia Laitano tenha se referido de forma tão desidiosa a uma das mais expressivas lideranças do protestantismo contemporâneo em seu artigo “Autoridades Polonesas”. Num tom que beira o preconceito religioso, Laitano chama de “pastor de uma obscura igreja do grotão profundo dos Estados Unidos” a ninguém mais ninguém menos que Jerry Fawell, líder da Maioria Moral, cuja influência na política americana é grande o suficiente para desqualificar o uso do termo “obscuro”.
Na verdade, Fawell só é chamado assim por defender claramente a posição evangélica de repúdio ao homossexualismo, para horror dos politicamente corretos e do aparattchik das redações, que tentam a todo custo criminalizar a opinião livre de um segmento expressivo da comunidade. Neste momento tramita uma lei que, sob o belo pretexto de coibir manifestações de preconceitos aos homossexuais, tenta transformar os óbices doutrinários das igrejas em crime de opinião, regredindo aos piores tempos da ditadura.
Surpreende ainda que, ao abordar o tema dos livros infantis com histórias gays, o que ela acha um avanço (o que é seu direito), não haja menção à violação dos direitos dos pais que não querem submeter seus filhos a este tipo de educação pública. É o autoritarismo com toques politicamente corretos, saudado pela cronista.