sábado, 17 de novembro de 2007

"¿Por qué no te callas?"


ao centro, a ira real. Á direita, de costas, um coronel assustado

Eu sei, eu sei. Você já deve estar saturado de comentários a respeito da carraspana real passada pelo rei Juan Carlos no presidente venezuelano Hugo Chávez, durante a conferência ibero-americana em Santiago do Chile. Todos os jornais nestas últimas semanas trouxeram páginas e páginas a respeito do assunto, a televisão não se cansou de repetir a cena, e até mesmo o xingamento de Sua Majestade foi transformado em ringtone, o mais popular toque de celular da Espanha no momento. Todo o planeta viu o vexame do coronel venezuelano, que quis transformar um dos mais importantes encontros diplomáticos do mundo em um palco privilegiado para suas fanfarronices, como já tinha feito na ONU e em outros fóruns internacionais.
Como vocês bem sabem, tudo começou por causa de um discurso em que Chávez, como é de seu costume, despejou sua verborragia contra uma figura ausente: o já ex-primeiro ministro José Maria Aznar, a quem chamou de “fascista” por seu apoio à investida norte-americana na Guerra do Iraque. Foi quando o primeiro-ministro Zapatero exigiu que o presidente venezuelano demonstrasse mais respeito, com um argumento contundente: “Aznar, naquela ocasião, foi eleito pelo povo espanhol, e representava a todos os espanhóis, e por isso exigimos que seja tratado com respeito”. Visivelmente aturdido com a reprimenda, Chávez continuou a falar e falar e falar, quando o rei Juan Carlos esbravejou: “¿Por qué no te callas?”.
Não, não é a ira real de Juan Carlos, normalmente contido em sua posição de Chefe de Estado, que realmente impressiona, embora sua reação tenha sido a pedra de toque fundamental da cobertura da mídia a respeito do evento. O que realmente chama a atenção neste episódio é a diferença existente entre dois contendores involuntários desta refrega: o primeiro-ministro espanhol, Zapatero, e o fanfarrão chauvinista da Venezuela. Como vocês sabem, Zapatero também é de esquerda, ligado ao tradicionalíssimo PSOE (Partido Socialista Obrero Español), uma das siglas de maior influência na Internacional Socialista. Comunga, portanto, de muitos equívocos doutrinários do chamado comandante-em-chefe do bolivarianismo. No entanto, diante da fúria verbal de Chávez contra Aznar, foi capaz de demonstrar de maneira prática seu compromisso democrático. Chávez, certamente, esperava contar com o silêncio ou a conivência de Zapatero enquanto achincalhava a reputação de Aznar, que havia sido o principal adversário ideológico e político do atual premier espanhol durante as eleições de 2004. Na sua lógica distorcida, talvez Chavez pensasse até estar fazendo um favor ao colega espanhol, já que chamava de "fascista" a um duro oponente de Zapatero. Entretanto, Zapatero teve a grandeza moral de não permitir que um ex-representante de seu povo, ainda que antigo adversário seu, fosse achincalhado por um bufão das Américas em uma reunião intercontinental.
Esta é a distância que distingue Zapatero, um raro caso de esquerdista comprometido com a democracia, de Chávez e outros bufões da cena ibero-americana. E se o exemplo fosse outro? Se Chávez, ao invés de criticar Aznar, tivesse criticado, por exemplo, Fernando Henrique? Será que Lula pediria mais respeito a um ex-presidente brasileiro ou assistiria à agressão calado, e talvez até mesmo agradecido, com um indisfarçável sorrisinho de sarcasmo no rosto?
Esta é a distância que separa os estadistas dos usurpadores da consciência de suas Nações, os verdadeiros democratas dos chauvinistas ditatoriais, dos aproveitadores de plantão que apenas ocupam um período na História, mas nunca farão História verdadeiramente. A História sempre está do lado de quem sabe ouvir a voz do seu tempo e assumir a postura certa, como Zapatero. Ou, quem sabe, cunhar a frase certa, como o rei Juan Carlos.

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